quarta-feira, 11 de janeiro de 2012

MINEIRO POR MINEIRO (FERNANDO SABINO)

"
A maneira enrolada com que um mineiro fila cigarro? Aqui vai. Ele estava em São João
 del-Rei admirando um chafariz, quando viu por ali a rondá-lo um velhinho mirrado e 
seco, roupa de brim e chapéu na cabeça, que acabou se chegando: — Tá aí preciano, 
moço? — Estou. 
Não é bonito? Passou a mão pelo queixo, enquanto buscava assunto: — O senhor não é 
daqui não, é? — Sou de Minas, mas moro no Rio há muito tempo. 
— Ah, foi educado lá. — Isso mesmo. 
— Posso saber qual é a sua graça? O velho ouviu o nome e sacudiu a cabeça. 
Depois perguntou candidamente:— Por acaso o senhor tem um fósforo aí?
 Em resposta, o outro estendeu-lhe a caixa de fósforo. O velho correu as mãos a ao 
longo do paletó, como se procurasse alguma coisa, enquanto dizia:
 — Quer dizer que o senhor fuma...— Fumo sim — e ele tirou o maço do bolso, acendeu um
 cigarro: ­ E o senhor? Não fuma?— Dez vez em quando — admitiu o velho.
 — Aceita um? — Já que o senhor dispõe... O velho tirou com dedos finos um cigarro do
 maço que lhe era estendido e, certamente para não desperdiçar fósforo, acendeu-o 
no cigarro do outro. E se despediu, levando a mão ao chapéu:
 — Obrigado, moço. Muito prazer, viu? DAR NOME AOS BOIS é coisa que mineiro não
 faz, nem mesmo em Uberaba. Ainda me lembro da eleição para Presidente da 
República em 55, quando, no mais aceso da campanha, Juarez Távora entrou por Minas
 adentro e encontrou várias cidades cheias de faixas e cartazes aclamando a sua candida-
tura. Algum tempo depois é que pôs reparo na sutileza daquela manifestação de apoio:a 
adesão dos mineiros se exprimia através das palavras "Salve o Nosso Candidato!", "Viva o 
Futuro Presidente da República!". O nome do candidato não aparecia, por uma questão 
me­nos de esperteza que de economia: as faixas e cartazes eram os mesmos, serviam para 
qualquer um deles. DE PASSAGEM por sua terra natal, no interior de Minas, foi visitar uma
 velha tia, cujo filho ganhara um bom dinheiro na loteria esportiva. Espantou-se ao encon-
trá-la na mesma casa humilde, vivendo pobremente como sempre viveu, da mão para a
 boca. Então seu filho milionário não lhe dera nada do que havia ganho?
 — Deu sim — afirmou ela— Me mandou um presente. 
— Que presente ele te mandou, tia? 
— Duas latas de bolachas. Não podia acreditar: latas de bolachas! Vai ser sovina assim na...
 — Pelo menos as bolachas deviam estar boas — desconversou, para não desapontar a 
velha. 
— Não sei, porque não provei — ela explicou: — Eram latas vazias.
 Pra guardar mantimento. DESDE QUE ENVIUVOU, ficou morando com os três filhos,
 todos solteirões. E nunca mais se falou em mulher naquela casa. Até que um dia o filho 
mais novo, e já nem tão novo assim, conheceu uma moça, gostou da moça, acabou se casa-
ndo com a moça. Casou e mudou. Tempos depois, indo a Minas visitar o pai e os ir­mãos, 
não escondeu seu entusiasmo: — Gente, vocês não sabem como mulher é bom! Serve pra tanta 
coisa... OUÇO A PRÓPRIA sabedoria de Minas na voz de um conterrâneo meu, afirmando com
 segurança, quando lhe propõem um negócio o seu tanto duvidoso:
 - Eu topo, mas naquela base do Salim.
 Reza a crônica mineira que o Salim, inegavelmente turco mas criado em Belo Horizonte,
 vivia em plena prosperidade, embora se expusesse ao que há de mais temerário em Minas 
Gerais: era avalista do primeiro que aparecesse. Bastava que lhe pedissem e ele metia logo 
o seu  jamegão em caracteres turcos nas costas do papagaio. Até que um dia começou a 
pipocar promissória vencida em tudo quanto era Banco. Convocado por telegrama a 
assumir, o Salim comparecia, contestando a assinatura:— Isto aí não é meu nome. 
Chamava-se um tradutor juramentado, para que ficasse oficialmente estabelecido que, 
em vez de assinar seu nome, ele havia se limitado a escrever na promissória, em turco:
 “Salim fica de fora”."

fonte: http://sitenotadez.net/cronicas/

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